quarta-feira, 29 de julho de 2020

Tímida, mídia rompe silêncio sobre Haia

Tímida, mídia rompe silêncio sobre Haia:

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As mil faces da técnica e a Gambiarra Popular

As mil faces da técnica e a Gambiarra Popular:



Às quartas-feiras, Outras Palavra publica uma série de artigos de Ricardo Neder, intitulada A Gambiarra e o Panóptico (fruto de livro homônimo, publicado pelo Observatório do Movimento pela Tecnologia Social na América Latina, da UnB, e editora Lutas Anticapital) que, por meio dos Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia, visa compreender a sociedade de controle e vigilância – e se é possível superá-la e reconstruir o Socialismo e as Democracias. Leia a apresentação da série. Aqui, todos os textos já publicados. Título original: As mil faces da técnica

As
múltiplas abordagens das Ciências Sociais e Humanidades sobre a
técnica parecem perseguir uma única pesquisa, a compreensão de um
momento zero, constituinte, marcado pelo conhecimento teórico sobre
a interação teórico-práxis presente no trabalho mediado pelos
objetos. Os sentidos deste momento de conversão do conhecimento em
técnica é também práxis. Estamos diante da:

1.1.
Técnica no sentido da antiga utopia espontânea datada, pelo menos,
da época de Aristóteles, segundo a qual o trabalho humano poderia
ser suavizado pelas ferramentas construídas pelo homem. Elas o
livrariam das terríveis dores do labor, suavizando sua vida
biológica (as rocas se poriam a fiar sozinhas, e as ferramentas
poderiam ceifar e colher a colheita sem auxílio dos braços
humanos).

1.2.
Técnica no sentido da utopia de um domínio sobre um duplo problema:
encontrar a linguagem que possa ser universal, e expressar seus
achados sobre a matéria; preocupação datada desde, pelo menos,
Lulio, Bacon, Galileu, Descartes, Copernico, Newton, Leibniz que
propuseram fazer do conhecimento científico um fato moral, em si
coerente com valores matemáticos, assegurados pela medição de tal
forma que não pudesse haver fato material desvinculado de valores
correspondentes no plano matemático. Este fato é em si um dado
moral, no sentido de que a ética da verdade era orientadora de toda
atividade científica. Esta está associada ao número, ao zero, à
sucessão, logicidade da computação que se torna linguagem
universal.

1.3.
Técnica no sentido de que as demais esferas da sociedade
relacionadas com o trabalho, a religião, a família, o Estado e os
preceitos morais, biológicos e psicológicos orientadores do Sujeito
fossem afastados sob o manto da não-pertinência (lei do terceiro
excluído), século depois assumida pelo positivismo como
neutralidade e autonomia científica, sobretudo como garantia da
liberdade necessária ao trabalho do cientista na crise
teológico-política do antigo regime.

1.4.
Técnica no sentido da busca de certo ideal de vocação dos
cientistas como um grupo social específico que se vocaciona para a
ciência (parte de uma camada social mais ampla, na qual não se
misturam os tecnólogos, a quem são delegadas competências da
fabricação e da construção).

1.5.
Técnica no sentido complementar de que esta nova sociedade orientada
por ideais científicos e técnicos pudesse vir a adotar uma
moralidade própria, baseada na profissão de fé positivista que
assume (fins do Séc. XIX) a missão de tornar a atividade científica
dotada de maior autonomia

diante
das demais esferas de valor da vida social, do comércio, da
indústria e passasse a ser núcleo da reforma moral da sociedade.
Seu élan vital de transformação formou uma tríade inseparável em
torno de poucos fundamentos sociológicos de prevalência étnica
(branco), cultural (europeu ocidental) e de gênero (homem) – sendo
aplicada aos demais a regra do terceiro excluído.

1.6.
Técnica no sentido de esclarecer que desde meados do Séc. XIX até
a metade do Séc. XX a destruição sistemática da moral que não
fosse orientada pelo Positivismo, tornou-se o verdadeiro furor
civilizatório. De tal monta que podemos chamar a isto a conversão
do ideal renascentista de uma máquina do mundo, para realizar o
desmanche de outra moralidade que não fosse a positivista. No Séc.
XXI assistimos o retorno do reprimido: o próprio positivismo parece
tomado por toda sorte de fundamentalismo religioso (primado do
monoteísmo judaico, muçulmano e cristão).

1.7.
Técnica no sentido de assumir a (des)construção e desmanche da
máquina do mundo (outrora, do Século IX ao XIII, um ideal de
conhecimento verdadeiro na representação do primeiro Renascimento
Árabe na Andaluzia, e no romance camoniano e dantiano) convertida em
terror movido pelas aplicações bélicas nos Séculos XIX e XX.

1.8. Técnica no sentido de converter a racionalização da vida tributo à e atributo da racionalidade científica, entendida como uma razão iluminista e racionalidade da técnica, simultaneamente convertidas em razão tecnocientífica industrial (Séc. XXI); à qual cumpriria observar a crueza de uma racionalidade destituída de qualquer sombra de incerteza ou acaso, apenas sujeita aos fracassos que reiteram a necessidade de achar a resposta certa.

1.9.
Técnica no sentido de que falam os artistas ao considerar que a
linguagem do corpo, da música, da literatura e da arte, de outras
moralidades é polifônica, atinge o imaginário e escapa da
racionalidade científica e instrumental.

1.10.
Técnica no sentido de que toda fusão com a base de conhecimento
fundamentada na ciência a converte em tecnologia (lançando as
mediações estéticas desde a música e a física, até a biologia
{zoé} e a política {bios} para os subterrâneos do ser social).

1.11.
Técnica no sentido de uma mirada sobre o conhecimento para si,
diante do que deparamos este fato absolutamente banal: todo
conhecimento é relação-mundo dotada de bases sintagmáticas
(vínculos). Ciências & técnicas se entrelaçam todo o tempo,
pois o senso comum se apropria da ciência sob vinculações que se
estendem num horizonte de aplicações, num horizonte de conexão com
outros signos (sua extensão com a vida cotidiana, sempre comparece
como primeira impressão no imaginário diante do sistema técnico).

1.12.Técnica
no sentido de que o uso, reaplicação, disseminação e encadeamento
de atos e consequências no uso se inscrevem como um campo moral da
técnica-em-uso-pelo-sujeito (sua atualidade é também seu passado).

1.13. Técnica no sentido de que falar em tecnologia (social) assume um duplo exercício de crítica e de reificação. Crítica, na medida em que (nem) toda técnica foi convertida em tecnologia (cientificizada), embora continuasse a ser obra de artífices geniais, cuja substância social (qualquer uma) foi parida para resolver problemas práticos. Reificação, no sentido de que uma técnica qualquer vem ao mundo para gerar outros problemas, uns previstos, outros imprevistos.

1.14.
Técnica no sentido de que existe uma economia gerida politicamente
(embrionária) para a construção de um movimento pela tecnologia
para afirmar seu papel de contra-valores da moralidade dominante da
política de ciência e tecnologia. Tendo esta como falha mais grave
assumir uma neutralidade científica cujo “ethos” se resume a
reagir diante do Outro como linguagem destituída de sujeito (oclusão
do sujeito).

1.15.
Técnica no sentido de uma elaboração da vivência de pesquisadores
e seus estudantes treinados para incorporar uma realidade de culturas
que nos afetam, mediante uma relação sintagmática (o que obriga a
reproduzi-las em um horizonte que afirma outra identidade). Trata-se
de repensá-las (técnicas) para desconstruí-las e
antropofagicamente assumir seus valores, absorvendo imposições e
condições (estético-cognitivas) para derivarem daí relatos
vividos, ante os quais latino-americanos se afirmam donos de outra
produção polifônica de conhecimento capaz de transformar as
técnicas antigas que eram dotadas de uma moralidade própria (a dos
povos americanos indígena-afro-latino-criollo se coloca como
libertação da membrana colonizadora das técnicas do branco e
europeu; a iteração [Houaiss: 2. álg processo de resolução
de uma equação mediante operações em que sucessivamente o objeto
de cada uma é o resultado da que a precede] do latino-americano que
resulta em movimento antropofágico da gambiarra que encontra limites
recorrentes no aço.

1.16. Técnica no sentido de que necessitamos de certas ciências sociais das ciências e da tecnologia, fundadas na filosofia da tecnologia como base capaz de dialogar exclusivamente com uma elaboração universal, reformuladora do utilitarismo, expurgado todo o economicismo da concepção do capital de inovação-tecnológica-sem-o-entendimento-do-território-do-sujeito.

1.17.
Técnica no sentido de que a curiosidade inerente à expectativa
gerada pelo advento de uma nova (era) técnica possa ser uma forma
historicizada de lidar com o ser dos dispositivos (este lugar onde se
afirma que o ser e a técnica estão-aí).

1.18.
Técnica no sentido de que a razão econômica desse movimento pela
tecnologia (social) encontra um porto nos territórios populares da
economia popular e comunitária, capazes de dar uma base ao sujeito
na relação sociotécnica do trabalho (artesão pós-moderno)
enquanto expressão de vida econômica positiva em conflito, sem
relação servil ao capital, negando o assalariamento como
escravidão.

1.19.
Técnica no sentido de que toda política voltada para tecnologia
(social) é também uma governamentalidade de controle sobre corpos,
esforço de coordenação de valores que os dispositivos técnicos
passaram a desempenhar desde o aparecimento pleno de mídias de
massa.

1.20.
Técnica no sentido de que a tecnologia é algo decorrente do modo
como operam nossos desejos e reparações; o desejo é sempre
fetichista ao tomar a parte pelo todo; a reparação é restaurar
algo sem-o-qual-não-saibamos-viver, embora também não
saibamos-como-deixar-de-destruir.

1.21.
Técnica no sentido de que somos dominados e passamos à condição
de sujeitos assujeitados na economia do capital por força da fruição
de estarmos em constante supervisão e monitoramento da máquina, ao
mesmo tempo, consumidores e assujeitados como se tivéssemos que
(con)viver com a máquina, enquanto dispositivo sempre renovável de
subjetividades.

1.22.
Técnica no sentido de que a estranheza diante do Outro (o
afroamericano, indígena, louco, mulher); é constitutiva da
subjetividade social sob o capital, assume uma imposição de ser um
corpo social que se expresse por intermédio da técnica (enquanto
reificação contraditória entre o abstrato e o universal,
concreto-particular).

1.23.
Técnica no sentido de que a expansão de toda sociabilidade passou a
ser vinculada (sintagmaticamente) a um horizonte de fruição do
próprio consumo, é certo, mas o alargamento da esfera pública do
trabalho (permanente contradição diante da apropriação de valor
do trabalho coletivo) somente ganha a aporia merecida na fonte de
outro paradoxo: o solipsismo do próprio eu perdeu seu caráter
privado, ganhou dimensão massiva (o onde-estou, seja em Macapá,
Buenos Aires ou São Paulo são lugares que se integram nesta
subjetividade).

1.24.
Técnica no sentido de que toda experiência é socialmente uma
imbricação de múltiplas raízes socioculturais por meio da qual
ocorre uma sobredeterminação das técnicas a fim de torná-las
indissociáveis da vida comum.

1.25.
Técnica no sentido de que devemos questionar se existe uma vocação
da ciência moderna – como instituição do mundo – que deva
normativamente operar como mutações controladas, sem que possamos
ser locus de subjetivação do sujeito científico dotado de
vinculações plenas com outros valores (pendurar o jaleco de
laboratório e ir para o samba, sim, mas nos desarmarmos do poder de
bombas atômicas diante da civilização do Outro, impossível).

1.26.
Técnica no sentido de que a plena subsunção da ciência ao capital
(o que é a tecnociência, senão isto?) uma expressão tanto da
ciência quanto do capital que se faz sobredeterminada – ela não
está fadada a resultar sucesso em cem por cento dos casos, tampouco
ser durável no tempo (a definição da genômica como um campo de
lutas e acordo de cartéis das corporações com seus cientistas e
executivos, trataram de regulamentar as novas tecnologias, a fim de
dominar o fluxo de sementes na oferta de alimentos, a Síndrome de
Asilomar. Assim conhecida como o complô para dominar o fluxo de
sementes na oferta mundial de alimentos, tal como ficou assentado no
encontro entre cientistas e executivos de multinacionais da
agroindústria, dos alimentos e do comércio controlado por
corporações em Asilomar, um balneário ensolarado na beira do
Pacífico, perto de Monterey na Califórnia em 1975).

1.27.
Técnica no sentido de que estamos diante de uma estrutura de fruição
estética que se expressa como pele e ossos, músculos e nervos
constitutivos, a ponto de podermos afirmar que toda técnica tem, na
sua essência, uma forma social.

1.28.
Técnica, como construção humana, que carrega a parte obscura de
nós mesmos, na qual se expressam os perversos de todas as idades
históricas;

1.29a.
Técnica no sentido de tudo aquilo que a esquerda tem sugerido no
Hemisfério Norte – para além da crítica da tecnociência como
Capital – existe um território que se expressa como teoria crítica
da tecnologia, segundo a qual se unem a concepção de autonomia do
sujeito com a autodeterminação (como e o que produzir), ambas como
construção socialmente mediadas ao Norte.

1.29b.
Técnica no sentido de assumir, no Hemisfério Sul, o caráter de um
desenho autônomo e participativo, autogestionário e libertário –
como adequação sociotécnica – para regular os usos das
aplicações incorporadas a novas formas populares de culturas
econômicas (autogestionárias, comércio e economia solidária), sob
o ideário da autoajuda dos libertários capaz de romper a tríade do
iluminismo-positivismo.

1.30.
Técnica no sentido de que estamos diante de concepções
essencialistas do fenômeno, operadas desde os fundamentalistas
religiosos, até a visão heideggeriana da técnica; todas enfatizam
a morte, ou seja, lidam com a mística de que há uma essência ao
ser que se contrapõe ao acaso e ao determinismo histórico
(progresso), logo, tudo que não é mudança se afirma como essência
do ser.

1.31.
Técnica no sentido de que a invenção é uma fonte de vida, tanto
quanto de morte: combater o relativismo da concepção de técnica é
superar a negação do ser afirmado no objeto (reificação), é
traçar a genealogia da determinação econômica do capital
(fetichismo) para desconstruí-la como parte da invenção
democrática.

1.32.
Técnica no sentido de que há uma justaposição entre criação e
contexto histórico (são exemplares a justaposição entre a música
clássica indiana e o instrumento sarandy, bem como as milhares de
experiências socioconstrutivas de técnicas, por gerações, que
foram necessárias, muito antes do capital se constituir como
formação social).

1.33.
Técnica no sentido de que há uma correspondência entre bios
(existência orgânica de seres biologicamente determinados que
somos) e zoé (o organismo biológico em si que comportamos no
corpo). A técnica parece um elo biopolítico entre bios e zoé (uma
espécie de forma social genérica construída para sobrevivermos
simultaneamente unidade e pluralidade do ser & cidadão diante da
vida e da morte).

1.34.
Técnica no sentido de que a “prática estética” proposta por
Marcuse como modelo de instrumentalidade transformadora diferente da
“conquista” da natureza, que caracteriza a sociedade de classes,
exige uma subjetivação do modelo estético, a fim de instaurar uma
vivência estética de tal forma que ela seja também trabalho e,
ambas as dimensões (trabalho e estética), possam se reconciliar
como processo libertário.

1.35.
Técnica no sentido de que buscamos uma análise integrada entre
vínculos sociais & psicopatologias por meio de uma psicanálise
do sujeito técnico: uma terapêutica de quem se dispõe a viver a
maiêutica de si diante da técnica.

1.36.
Técnica no sentido de que há simultaneamente ocultação e
simulacro no processo técnico mediante seu invólucro ou
encapsulamento no código técnico, caixa-preta como dispositivo de
ocultação da vista no senso comum, e simulacro de que o dispositivo
não existe como tal, fingindo um sistema técnico como representação
de alguma solução entre o eu e o imaginário.

1.37.
Técnica na dimensão de que existe um potencial campo para a
psicanálise da tecnociência, esta confusão entre vínculo social
do sujeito técnico, e a máquina que tem como fundamento a elidir a
primeira pessoa da fala científica (um sujeito oculto que anuncia a
verdade como um deus, não pode ser humano), daí as dificuldades em
lidar com as linguagens de máquina como parte do cotidiano.

1.38.
Técnica na dimensão presente na sociologia do vínculo social do
sujeito científico vivido por todo sujeito mediado pelos sistemas
técnicos (a maioria de nós).

1.39.
Técnica como negação de algo muito maior mobilizado no ato técnico
na sociedade, se intersubjetiva em cada um/a. Para onde e para quem
se direcionam os afetos subsumidos que neste território? Como se
conforma o maquinal do capital, intersubjetivo, senão na contagem do
mundo como computação, logicidade na construção da máquina.

1.40.
Técnica na dimensão de encararmos uma substância estática
organizada ou plasmada a ponto de podermos afirmar que toda técnica
é estética (esta torre de babel que a filosofia e a ética
construíram em torno do escândalo da estética captada por Amelia
Valcárcel).

1.41.
Técnica na dimensão assumida pela ocultação e simulacro na
síndrome de Asilomar naquele dia de 19 de fevereiro de 1975, quando
dezenas de chefes de laboratórios corporativos e pesquisadores
disseram em uníssono, devemos regulamentar a engenharia genômica
antes que aventureiros o façam, roubando agricultores e comunidades
ancestrais do Sul.

1.42.
Técnica como luta entre correntes de esquerda que, no Norte, os
autores da crítica à tecnologia projetam o desenho democrático e
participativo para regular os usos, sob uma concepção de autonomia
& autodeterminação, enquanto o “summus bonus” na construção
social da tecnologia no Sul, assume o caráter de suporte às formas
socioeconômicas, autogestionárias de uma economia social e
solidária.

1.43.
Técnica, na medida em que estamos fora e dentro de uma teoria
crítica da tecnologia (Marcuse-Feenberg), porque precisamos da
ousadia para não nos deter diante da herança marcusiana da luta
pela autonomia, autogestão da tecnologia capitalista e, ir além,
para formulações argentinas e brasileiras, latino-americanas da
tecnologia social como movimento libertário permanente.

1.44.
Técnica, enquanto dupla cisão do discurso do sujeito científico:
uma é o da foraclusão, que é omissão epistêmica, e a
outra é a voz que anuncia a verdade, a certeza ou a positividade
legitimadora de um procedimento técnico. Dada a disseminação dos
aparatos, dispositivos e elementos integrados aos sistemas técnicos,
o contato do sujeito científico com a máquina tornou-se uma
experiência de intersubjetivação que se arroga universal. Se algo
muito maior é mobilizado, posso também arriscar a colocar em cena
minha intersubjetivação e evocar meus daimons, fadas, orixás,
babalorixás, oguns, xangôs, deuses dos tupinambás e aimorés,
tupis e carajás (resta-me só acertar a tomada elétrica correta!)

1.45.
Técnica e docência se estranham, porque o medo, a dor e a
desesperança fazem parte do contato do professor com os alunos;
coragem é medo; a ética é paulofreirianamente distribuição de
virtudes; se a mediação da técnica gera certezas unilaterais,
adeus docência!

1.46.
O modo socrático de morrer. Sócrates: “Gostaria de me ver morrer
justamente?”, dirigindo-se a Xantipa que lhe lamenta o destino de
vítima de condenação injusta! “Devemos um galo a Críton.”,
diz no último minuto, reagindo diante da morte. Zoé e bios já se
encontravam na biopolítica. Na civilização técnica, hoje vivemos
o modo socrático de morrer, porém às avessas: não se oferece um
galo ao amigo compreensivo, mas a morte é dedicada à universidade
do conhecimento técnico e científico sobre a natureza para provocar
a destruição (coletiva de uma parte da humanidade) capaz até de
suprimir a vida no planeta.

1.47.
Vant, veículos aéreos não tripulados, essência do panóptico: há
uma filosofia da tecnologia agronômica da pesquisa e técnicas
aplicadas à produtividade da terra que é reducionista, ocupando-se,
por exemplo da manipulação de apenas uma dimensão biotecnológica
genômica (OGM) patenteada, ou artefatos biológicos patenteados
(ABP). Mas ela também discute o papel dos artefatos que voam sem
piloto, lançando agrotóxicos, monitorando outros dispositivos: como
podemos converter isto em vantagens e benefícios para os sujeitos do
campo muito mais vasto, povos de quem herdamos as ricas tradições
de manejo dos vegetais, do solo, das águas e das combinatórias que
se expressam como etnoconhecimento na agroecologia?

2.
Há um antídoto para a razão cínica. A ciência nada pode contra o
dom, a entrega, o dionisíaco, em forma de comunhão do povo entre si
e com a matéria de que são feitos os sonhos, de tal forma que a
ciência fica acanhada, absorta, noutro campo, fora do espetáculo da
oferta da dádiva que é também festim de abundância e de gozo. Nas
sociedades em que as ciências e as tecnologias passaram a ser a
forma dominante de exploração econômica e produtiva das fontes
animais e vegetais, minerais e aquáticas existem práticas,
representações, normas e valores que constituem esteriótipos sobre
a superioridade da espécie humana em relação a outras espécies
animais. Esta crença na superioridade da espécie humana tem por
base três tipos de ideologias que tem sido chamadas de especistas
(crença ou convicção, ideologia ou moral que adota a visão de que
a espécie humana é dominante e superior a todas as outras espécies,
podendo lançar mão de todo tipo de utilitarismo para subordinar
outras espécies vivas. Espécie no dicionário Houaiss: substantivo
feminino. Característica comum que serve para dividir os seres em
grupos; qualidade, natureza, gênero; no aristotelismo, qualquer
classe de indivíduos com propriedades em comum, considerada uma
subdivisão de uma classe ainda mais ampla, o gênero; a relação
aristotélica entre gênero e espécie está na origem da taxonomia
científica moderna). (i) as do tipo ideologias racistas e sexistas,
(ii) as do tipo ideologias da superioridade cultural sobre os animais
em geral que se tornam objeto de predação, caça, ou consumo, (iii)
as do tipo ideologias que desconhecem todo e qualquer possibilidade
de haver direitos entre seres naturais não-humanos.

3.
Autonomia operacional. Trama em que o poder equivale a dotar o
sujeito da capacidade de agir à distância e que tem longa história
de dispositivos militares e civis, desenvolvidos desde os
desenhos-projetos de artefatos de Leonardo da Vinci e segue,
ininterrupto, modernidade adentro, numa repetição enfadonha. O que
mudou recentemente? O dispositivo é transferido para a sociedade. Os
dispositivos continuam a gerar influências, de forma que o sujeito
tecnocientífico possa se beneficiar dos resultados sem se envolver
explicitamente, ou atuar numa ação política direta convencional.

O
problema que nos aflige, enquanto vítimas potenciais deste poder, é
o mesmo de toda a sociedade industrial submetida ao capital:
tornar-se vítima do determinismo tecnológico imposto pela razão
cínica, mediante o ordenamento e coordenação de ações coletivas
articuladas a uma vontade que é exercida à distância máxima,
potencialização do panóptico.

Este
olhar característico agora sob com a capacidade de operar ações
inteiramente à distância, que se afirma como uma realidade
histórica irreversível, nas formas historicizadas da guerra e da
paz, conduzidas pelos complexos tecnocientíficos
industriais-militares.

O
tema da autonomia operacional (Feenberg) tem sido quase uma obsessão;
está omnipresente na filosofia da tecnologia, na sociologia e
antropologia da tecnologia, na análise da teoria crítica da
cultura, na literatura, no romance, na novelística e no cinema de
ficção sobre distopias.

Neste
imaginário, um motivo recorrente dramatizado é o efeito vivido pelo
próprio sujeito tecnocientífico manipulador que passa de algoz à
vítima desta manipulação.

A
questão da autonomia operacional da técnica sob um cenário de
socialismo libertário, na qual o Estado e as corporações serão
superados por novas construções descentralizadas e fortemente
articuladas entre si, sem necessidade de superpoderes imperiais, é
bem diversa, no Sul.

Precisamos
da convergência que aproxime as formas de bem-viver (buen-vivir)
dos povos e comunidades indígenas latino-americanas.

Para
isto estamos diante de um quebra-cabeças que exige de nós superar a
razão cínica e impor à lógica da adequação do técnico e do
científico a cada situação particular, uma revitalização da
técnica como luta contra o determinismo tecnológico.

Isto
equivale a desdenharmos a máquina como veículo de subordinação e
escravização pela autonomia operacional. Este esforço exige que
imaginemos uma solução capaz de rechaçar esta influência para
anular seu poder, que entre nós foi assimilado pela herança das
relações de extermínio do excedente da força de trabalho negra e
indígena.

Para
tanto precisaria de outro meio técnico igual? Ora, esta qualidade da
relação do sujeito com a técnica é também, ela próprio,
submeter-se sem mediação ou reflexão.

Para
além da autonomia operacional como instância de dominação,
trata-se de manter a capacidade de ação à distância (por
satélites, sensoriamento remoto, georreferenciamento transmissão de
imagens e dados), mas com primazia desta tecnologia ser parte de uma
outra metafísica que não a dos drones (ou vants), ser orientada
pelo pluralismo cultural e das ciências em diferentes partes do
planeta. Isto exigirá a superação da racionalidade científica
convencional e dos manuais de uso padronizados conhecidos como
“métodos científicos” universais, antiga bandeira crítica de
Feyerabend.

Havia
um mito (localizado na obra de Lull) herança do Renascimento árabe
na passagem para o Renascimento europeu sobre como dominar a
complexidade das esferas de conhecimento (Lull vislumbrava unificar a
linguagem para poder falar com a pluralidade de mentes e corações).

Este
visionário não estava em delírio: a base computacional levou a
ampliação da linguagem matemática e suas lógicas específicas
para um território muito além das comunidades acadêmicas
interessadas no problema da linguagem científica que unifica o
conhecimento.

A
identificação de ordem nas diversas teorias matemáticas nos
séculos posteriores tornou-se um foco determinante.

O
que era uma visão de dominação do conhecimento (mito lulliano)
converteu-se em dominação efetiva do Capital sobre o método
científico, cornucópia de uma nova riqueza. Esta fratura entre uma
visão do panótico como utopia para a base do método científico, e
sua aplicação a toda a sociedade, tornou-se distopia pela sua
inevitável associação às religiões monoteístas do mediterrâneo.
Sua base matemática binária que dá origem a rationale
associada intimamente com a computação/informática modernamente
demonstra talvez um indicador de fraqueza. Mas a análise
combinatória permite expandir as combinações a partir da base
binária?

4.
Todas as decisões que co-determinam códigos técnicos (ou
caixas-pretas) aparecem como resultado da articulação de valores de
um ator ou da articulação de múltiplos valores de vários atores.
Estas combinações aparecem como combinações engenhosas que
“adquirem múltiplos objetivos” (Feenberg). Quando a filosofia da
tecnologia constata estes vínculos de valores entre os sujeitos, a
sociologia e antropologia da ciência e da tecnologia constatam, por
sua vez, que o acaso está presente na construção deste tipo de
conhecimento e, se ele não for separado do conhecimento comum, sua
determinação tem a mesma origem: o vínculo social do pesquisador é
que pode levar ou não, ao seu desenrolar. Daí a concepção de que
ao falarmos de tecnologia social como prática libertária, estamos
no campo do interacionismo (o pedagógico, do tipo Paulo Freire), mas
de caráter sociotécnico. Isto quer traduzir o óbvio: todo
conhecimento que gera novas técnicas está capilarizado entre
pessoas por meio dos vínculos sociais.

Por
isto a afirmação pública do movimento CTS, de que são as relações
ciência-tecnologia-sociedade uma afirmação em si, pode se
converter em sua negação, pois corremos o risco, num dado momento
histórico, da afirmação de tais vínculos a serviços da
emancipação passarem a ser alvos da crítica neopositivista, cuja
melhor tática tem sido adotar o rótulo, o nome, a designação e
mudar seu conteúdo para transformá-lo em um negócio como qualquer
outro, o que não seria nenhuma surpresa. O mais grave é que, entre
os vários momentos desta luta, seja gerada perplexidade, negação
do conteúdo emancipatório, ante o efeito sombra de ambiguidade, de
que se trataria de mais uma fórmula, um método entre outros, mais
um sistema. Daí a espiral de contraposições e conflitos originar
algo como uma sucessão de acontecimentos, difícil de reconhecer
imediatamente, (quiçá fique registrado na internet) e, entre uns e
outros, há o esquecimento de algumas características, ou o destaque
de outras, de tal forma que um certo senso comum tenda a construir
diferente(s) sentido(s) para esta afirmação (tecnologia social para
inclusão e autogestão). Isto, contudo, não explica todas as
contradições, derivações e ajustes específicos que se tecem
entre pesquisadores e movimentos sociais em comunidades específicas.
Quando estamos em contato com estas, o saber local forma um
microcosmo. Yanomamis, Tukanos, Xavantes (os dois primeiros na
Amazônia Ocidental, o terceiro no Centro-Oeste brasileiro) expõem,
seu pessimismo alegre (Viveiros de Castro), a necessidade de uma
metaconsciência diante da sua dramática luta pela sobrevivência,
que é, sobretudo, avançadíssima: a arte, o buen vivir e a
ciência são irmãs gêmeas. O acaso é respeitado como parte da
caixa-preta das técnicas. Isto abre uma imensa clareira, no centro
da qual há uma encruzilhada de Exu.

Claro
que o ideal civilizatório do império se choca, aqui, com o ideal
das comunidades: na sua origem, o ideal humanista-iluminista
expressou uma postura, diante da vida a ser construída, que nada
tinha de razão cínica ou de determinismo tecnológico (esta é uma
moralidade dos séculos XIX e XX, que irá desaguar na tecnociência,
a responsável pelo serviço sujo da crítica à moralidade
científica convencional, abrindo uma cisão, fratura ou fissura
entre emancipação e novas escravaturas).

Aquele
ideal acreditava que a postura diante do acaso era parte de uma
atividade espiritual autônoma, um deus-interior, um
deus-desconhecido capaz de superar dialeticamente a educação moral
religiosa convencional e a religiosidade popular (base de uma prática
da ambiguidade diante da escravidão, como se só a religião
libertasse. A moralidade do senhor/escravo é a chave do desvelamento
buscado pela razão iluminista).

Mas
a crítica de Ivan Illich, vale recordar, aponta para a
contraprodutividade de instituições-chave da cultura industrial
moderna: a racionalidade instrumental autonomizada se constitui como
um fim em si mesma, engendrando uma “paralisia ético-política das
relações sócio-comunitárias”.

5.
O sujeito científico da tradição Iluminista e o sujeito
tecnocientífico ainda mantêm em comum certos traços que operam no
discurso como um continuum: quando se trata da retórica da
peça científica ortodoxa das ciências naturais e exatas,
desaparecem nelas o sujeito, o eu, a pessoalidade do autor, como que
afirmando o caráter ahistórico do discurso, o caráter
anti-historicista do enunciado. O desaparecimento do eu nos
enunciados científicos se assemelha estranhamente ao que corresponde
em certos fundamentos esotéricos e exótericos da relação com os
mistérios, práticas religiosas, em geral de qualquer religião,
monoteístas ou politeístas. Nestas, o adepto, praticante ou devoto,
somente atinge um estado de integração religiosa se consegue anular
as forças intempestivas, rebeldes e inconstantes do ego, suprimindo
o centramento do sujeito consciente na esfera interior do eu; as
práticas dos mistérios, (mas também das meditações e,
especialmente, da yôga) pela exegese ou pela disciplina da fé,
buscam o desaparecimento do eu. Aqui as duas práticas têm
semelhanças aparentes: o eu é suprimido para dar lugar a um sujeito
suprapessoal, no discurso científico ortodoxo, que parece algo
expresso por um ser que fala por meio da matéria (uma substituição
à ação de um deus); no mistério a anulação do eu na prática
ascética assegura ao devoto uma tranquilidade que é uma espécie de
moral suprapessoal. Desta forma, ao cientista a omissão do eu no
discurso propicia um afastamento circunstancial de um sujeito dotado
de uma biografia, isto é, do eu, e em seu lugar emerge um operador
da natureza, semideus que orienta uma moral suprapessoal no exercício
da ciência.

6.
Sobredeterminação e acaso: passagem de uma época que revoluciona a
própria sociedade como um todo – uma noção que está concebida
como chave em toda a obra de Marx e Engels, quando integram as
manifestações desta passagem (presente) diante de uma totalidade
(futura).

A
esta circularidade ou determinação (oroboro, a serpente dos
mistérios antigos, a morder a própria cauda) foi chamado de círculo
hermenêutico, uma forma de acesso ao conhecimento a partir do qual
podem ser geradas transformações, de todo tipo, até
revolucionárias. As formas estéticas do conhecimento e da linguagem
em Marx e Engels para captar estas mudanças privilegiaram o
intercurso no qual há um enlace das contradições.

A
relação do sujeito com a técnica possui uma qualidade específica:
a de gerar o transbordamento do corpo como se o meio técnico, a
ferramenta, o dispositivo provocasse uma extensão da mente, braços,
pernas, da força física. Quando, há 170 anos, Marx formulou esta
perspectiva, já apontava para o fato óbvio de que, ao contrário
dos tempos antigos, a máquina moderna acabaria por ratificar o
deslizamento do eu, sujeito particular, para uma relação
inteiramente alterada com a natureza, a favor de uma força coletiva
(industrial) que o trabalhador coloca em movimento, como classe
social. Força que é convertida pelo conhecimento hermenêutico (o
que é a ciência afinal, senão isto?) e uma capacidade de
intervenção técnica (tecnologia). Há um deslizamento de classe,
ante a técnica que gera a qualidade específica de ser classe
operária industrial.

Pela
primeira vez na história esta força coletiva é operada mediante a
negação, obliteração do sujeito com o uso de meios puramente
técnicos, à primeira vista: os vínculos de classe presentes são
mediados pela técnica e operados pela determinação primária do
vínculo com o capital; este se estende como viscosidade animal sobre
a sociedade, em sucessivas sobredeterminações, algumas previsíveis
outras totalmente inesperadas, mas a viscosidade necessita de
condições ambientais para prosperar. O que não pode ser
determinado ou sobredeterminado pela técnica, agora, a distâncias
que cobrem todo o globo terrestre?

Ora,
o que podemos aprofundar, como hipótese, um terceiro excluído (além
da tecnofobia e da tecnofilia): o que estaria além da
determinação/sobredeterminação?

7.
A qualidade de acaso, esta indeterminação – uma espécie de
terceiro olho – que se apresenta como associada a possibilidades de
liberação e transformação; a indeterminação dos vínculos
sociais do sujeito com a técnica é o campo que possibilita a quebra
dos elos da cadeia de determinações; fissura, fratura ou
descontinuidade, crise ou destruição da determinação e múltiplas
sobredeterminações. A indeterminação do vínculo social do
sujeito com a técnica é justamente o que o determinismo tecnológico
tem como nêmesis, algo sem o qual não pode viver (pois é daí que
a viscosidade encontra campo ou ambiente fértil), mas ao mesmo
tempo, se aproximar demais, significa sua morte por dissolução.
Dissolução é a noção-chave, fundante, se quisermos dar um passo
adiante: ciência, tecnologia e afluência, riqueza e poder dão as
mãos. O poder de resolução de uma simples operação de viajar de
avião, me permite desdenhar das culturas com ricas subjetividades
dos povos tradicionais – um deles, os Panarás falam uma língua Jê,
muito assemelhada à dos Kayapó que aculturaram vastas porções
desde São Paulo, Minas Gerais até o Mato Grosso; em sua língua,
panarã significa gente, seres humanos, algo que nas
línguas de vários povos é regra.

No
latim, matrix das línguas neolatinas, as expressões como
homem e humano derivam etimologicamente de humus (substância
da terra, algo próprio da terra). A expressão ‘hĩ’pẽ’, em
paranâ quer dizer: o outro (Isto nos lembra que os gregos e
romanos chamavam de bárbaros, os que moravam além de suas
fronteiros, isto é, os que não eram dos seus, os outros).

O
outro dos panarás são os Kayapó, um exônimo (denominação
externa mais recente), que quer dizer, “homens semelhantes aos
macacos”, o que está, provavelmente, ligado a rituais do grupo (os
homens dançam usando máscaras de macaco). Por sua vez, o endônimo
dos chamados kayapó, é mebengokre, que significa, literalmente,
“homens do buraco” ou “homens do poço d’água”).

Estes
índios para manter íntegras língua e cultura, arriscam-se a perder
a vida nos percalços da sobrevivência, e acabam vítimas dos
chamados civilizados.

Os
dispositivos técnicos se despediram da magia para adquirir eficácia
total de funcionamento quando acionados, com eficiência máxima, e,
se necessário, até para matar o outro (o Outro se tornou qualquer
um/a). Embarco no avião e digo: não precisamos do sagrado, porque
temos mitos (a tecnologia substitui a magia, mas não perde a aura
mítica) mais eficientes, mais poderosos, e viajamos no espaço;
nossas cidades são máquinas de gerar conforto e segurança.

Por
que precisaríamos do sagrado dos povos ancestrais? Esta distinção
entre sagrado e mito, aparentemente nas névoas da história, cobra
uma dívida (“sou máquina? sou humano? a qual Axelos parafraseando
Marx, irá fazer um trocadilho da máquina que torna a criança
operário, e o operário, criança) que nos coloca um problema
prático.

Mito
ou sagrado, a técnica precisará ser dissolvida, o que nos exige uma
postura de receptividade ao acaso, cuidado com o indeterminado
(nossos indígenas têm algo que perdemos; para saber o que foi,
precisamos deter seu massacre pelos fazendeiros, um genocídio que
virou banalidade).

Um
movimento urbano em Brasília construiu um modesto ensaio desta
resistência – Terra Sagrada Especulada – contra a criação de um
bairro de luxo numa área de cerrado intocado, onde resistiram
indígenas de várias origens étnicas, expondo o desastre; sua
tecnofobia diante da nossa tecnofilia.

8.
O filósofo grego Epicuro propôs vencer o fanatismo e a ignorância
das crenças e supertições como condição para alcançar a boa
vida. O epicurismo é sinônimo também de parcimônia material e
vida frugal, algo que nossos indígenas dão lições
sofisticadíssimas. A tese de Marx sobre Epicuro fez deste tema uma
incursão para a questão da tecnologia no Séc. XIX, e levou o
debate para o caráter necessariamente indeterminado no futuro do
comunismo. Esta afirmação deve ser colocada como uma questão em
aberto.

A
pergunta (qual o futuro do comunismo enquanto regime da técnica na
sociedade) é boa, porque não pode ser respondida, apenas serve de
provocação ao imaginário da construção social de uma outra base
de vínculos sociais entre humanos e meios técnicos num cenário em
que estes deixem de ser órgãos próprios do poder econômico e
político.

É
possível atacar outro ponto complementar. Uma visão atualizada
epicurista da sociedade pressupõe abolir classes dominantes, algo
tão difícil quanto abolir o capital por decreto revolucionário.
Mas substituir as bases da dominação que leve à superação do
Capital e, assim, impedirmos usurpação da riqueza coletiva, passa
pela criação de política cultural, educacional, estética a tal
ponto de prioridade nas lutas, que este objetivo pode virar um
tormento para o sistema de dominação, algo proibido e, como tal,
cobiçado.

Desta
forma, são desperdiçadas as oportunidades de uma autêntica mudança
diante da relação com os meios técnicos. Esta pode ser uma forma
marota da classe dominante apodrecer por dentro, um sonho caro a
milhões em todo o mundo, ao menos onde a máquina se instalou para
produzir a loucura. Há que usar estratégias de indeterminação.

Assim,
uma outra resposta deve ser construída sob as bases de um livre
desabrochar da criatividade da cultura, ciência, técnica e da
estética associado a um modo de vida epicurista. Como estas
experiências poderão florescer?

9.
O pilar histórico que atende pelo nome de domínio tecnológico é o
foco dos direitos humanos de quinta geração. Em si, esta plataforma
só poderá passar da defensiva em que se encontra (nas primeiras
décadas do Séc. XXI) enquanto uma luta contra a barbárie
tecnológica, se for transformada em horizonte de coalescência,
aglutinação e amálgama dos movimentos sociais de caráter
libertário contra o panóptico que rege a razão da tecnociência.
Se for, enfim, colocado como um horizonte de democratização,
descentralização e indeterminação do uso dos meios técnicos para
servir de base ao livre desabrochar da criação, poderemos avistar
salvação para este horizonte de democratização – tão difícil –
da gestão tecnológica. Ernesto Sábato, que transitou da Física
para as Humanidades e Artes, lembra que significou o mesmo tipo de
controle da produção sob a técnica, seja no socialismo, seja no
capitalismo. Como anotou já em 1951, em Hombres y Engranajes:

(…)
era, pues, previsible que la doctrina llevase a una sociedad
semejante a la capitalista, aunque de signo cambiado. Ya que entre la
fábrica dirigida por un abstracto consorcio y la dirigida por un
abstracto comisariado la diferencia es casi linguística: em ambos
casos asistimos al triunfo de una mentalidad racionalizadora y
abstracta; en ambos casos estamos ante una civilización que tiene a
la Máquina y a la Ciencia como dioses.



Algo
como uma chama que percorre esta trajetória enfadonha, na qual o
dinheiro e a razão são ruínas para gerar pobreza, no duplo sentido
de que os não-pobres de comunidades autóctones e indígenas devem
ser convertidos em “novos” pobres para acentuar o fosso entre
afluência e riqueza.

A
pobreza deve reproduzir uma camada variável de excluídos da
riqueza. Se pudéssemos generalizar o epicurismo, isto poderia
equivaler à criação de uma camada não mais de exclusão, mas de
funcionamento sob uma lógica de economia social e solidária. Uma
camada não de excluídos, mas que exista como povos que lutam por
direitos humanos de quinta geração para o controle sobre o controle
da tecnologia. Como é próprio das lutas de resistência e
não-violência pelos direitos humanos, vale muito como inconformismo
diante da barbárie, mas não o suficiente para superar a mimésis
tecnociência & mercadoria.

Contra
ela, a gambiarra popular na economia social e solidária é
indispensável.

A
gambiarra como cultura e técnica nas práticas do cotidiano exige
que o sujeito social em oficinas de todo tipo, nas garagens, nos
ferros-velhos, nos quintais, empresas recuperadas, cooperativas e
associações pratiquem (ou aprofundem) a desconstrução do meio
técnico, para desmistificar o objeto, o que exige um outro olhar
sobre a cultura popular plural como resistência.

10.
Não há como concluir este A Gambiarra e o Panóptico: o
trajeto aqui exposto tem seu próprio caminho. Porém, mais
importante do que concluir é deixar a escolha do leitor inquieto
identificar os fios da meada e, ao percorrê-los, aprofundar suas
ideias. A vivência de deslocamentos, desconstruções, transposições
e descontinuidades, espantos e sentimentos indignados perpassam os
ensaios de tal forma que deparamos com uma catarata: temos que saltar
para a exploração criativa que atende pelo nome de indeterminação
da criação científica, tanto quanto da produção das novas
ciências (Casanova).

A
esta exploração podemos associar um conjunto de vivências e
elaborações geradoras de novos valores aos produtores de culturas,
que são forças autônomas entre as camadas populares. As práticas
ordinárias do cotidiano do ponto de vista de quem recebe os meios
técnicos é mais importante do que o ambiente institucional. O
sujeito social faz a gambiarra como resultado de uma desconstrução
assumida como resistência e, num sentido mais amplo, os meios
técnicos são impostos pela cultura de massa, mas a resistência da
gambiarra é justamente escapar de suas determinações. É o mesmo
que fazem estudantes filhos & filhas de uma geração das classes
trabalhadoras que nunca pisaram numa universidade.

Pela
primeira vez, os jovens são obrigados a lidar com objetos que lhes
são entregues como resultado da cultura do muro (The Wall)
esta, fruto de uma escolarização que se impõe a quem recebe este
enunciado da instituição, saber consolidado, do conjunto que forma
uma parte do território epistemológico, tudo já vem como um
discurso pronto-e-acabado.

Contra
estas estratégias externas, surgem as resistências táticas,
astúcias como arte de dar golpes no campo do adversário ou inimigo,
sem separação de quem é amigo ou inimigo, uma luta contra o olhar
panóptico. Uma prática de enfrentamento do panóptico exige
descobrir as brechas, fissuras e descontinuidades, indeterminações
no território da universidade e da escola.

Minha
ação como docente e a dos estudantes está constantemente moldada
por regulamentações que são regulamentações panópticas contra
as táticas e estas, por sua vez, estão constantemente sendo
reconfiguradas.

A
um golpe do professor, os alunos agem igualmente de forma astuciosa,
escapando do modelo imposto. Daí, a necessidade de uma escuta. E
qual o lugar da escuta? Retirar o modelo missal da escola, segundo
Ivan Illich, é instaurar o respeito ao lugar da escuta, pois o
modelo missal tem sido reproduzido na escola para que os jovens se
calem. (Michel De Certeau, cujas ideias se encontram com as de Paulo
Freire, viveu no Brasil e América Latina nos anos de chumbo, entre
1971 a 1979, nos conta que recuperou a biografia de um jesuíta do
Séc. XVI que ficara 20 anos calado após curar uma mulher de
possessão; calara-se porque a possessão do Outro não era um
discurso, e sim um lugar de escuta).

Mas
há para além disto – e de volta à indeterminação (contra a
tríade cartesiana): deparamos com o fascínio pelo que não é
europeu (o qual pode se tornar ameaçador; o outro não-europeu
diante do qual temos que instaurar uma interdição à ciência e à
técnicas convencionais, e proceder a uma travessia em direção ao
outro; e se todo colonizador é também colonizado, a razão pura é
uma ficção, mas a persistência do mito da neutralidade da ciência
é a necessidade de instaurar o sujeito do conhecimento que enuncia
aos que escutam – a medida de eficiência disto torna-se estrutura
(qualquer uma desde o nó familiar à fábrica, do Estado à
multinacional) que tem expressão na linguagem, esta tecnologia
torna-se uma régua de medir. As táticas para escapar desta
determinação (a estrutura tem expressão na linguagem), nós as
vemos diuturnamente na cultura popular em todos os campos, e na
universidade não é diverso: onde existe ação, reação, as
narrativas podem se multiplicar e escapar, transgredir e fugir com
asas próprias.

Levamos
mais para o fundo esta crise da fala que nega a escuta-ativa,
rechaçar o que está pronto e aprontar o que está cru, sem o saber
popular não há ciência, tampouco tecnologia, nem, também, há
estudos sociais da ciência & tecnologia sem o saber popular que
revigore a escuta e amarre o olhar no gesto, no evento, na ação.

Sem
pesquisa não há desconstrução; para superar o apagamento do eu na
transmissão e disciplinamento na universidade, opera-se como num
ritual religioso, no qual o devoto se vê reduzido a total humildade
algo próximo a um apagamento do eu, tal qual no enunciado do
discurso científico que não tolera a primeira pessoa, pois, na sua
construção, deve-se operar sob uma visão telescópica mental, que
gera um sentimento pessoal bem estranho, que aqui chamamos de
colocar-se como um adepto da razão cínica. Isto tem um custo
emocional: qualquer cientista, ele ou ela, deve ter a capacidade de
tolerar a solidão que advém do sentimento de exclusão da visão
cotidiana, da cultura mundana, um tipo de solidão que é também
distanciamento, é retirar-se do território do senso comum.

Praticar
ciência sob condições de não saber proceder à escuta gera uma
razão cínica. Contra isto há um antídoto para os cientistas que
experimentam a criação científica como uma emoção estética,
transdisciplinar, que sempre emerge associada a algum problema
científico, diz Luiz Hildebrando Pereira da Silva (Crônicas
subversivas de um cientista
) que desembarcou depois de 20 anos de
exílio, em Porto Velho (Rondônia) em 1997, onde consolidou duas
novas entidades e de onde propõe um programa estratégico para a
erradicação da malária no vale do rio Madeira.

Buenos Aires, 25 de setembro de 2015
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Justiça condena 3 homens pobres sem provas e faz de tudo para esconder a história

Justiça condena 3 homens pobres sem provas e faz de tudo para esconder a história:

presos inocentes reconhecidos olhos

(Imagens: Daniel Arroyo/Ponte)
Caê Vasconcelos, Daniel Arroyo e Fausto Salvadori, Ponte

Vamos começar essa reportagem pedindo desculpas. É que, pela primeira vez na história da Ponte Jornalismo, vamos omitir informações em uma reportagem.

A história que você vai conhecer é a de três homens pobres condenados pela Justiça, sem provas, a mais de dez anos de prisão. Quando ocorreu o roubo pelo qual foram acusados, dois deles estavam a mais de 70 quilômetros do local e podem provar: com folha de ponto, documento escolar, testemunho de colega de trabalho, depoimento de diretor de escola. Nada disso, porém, conseguiu convencer os humanos de farda e de toga. Delegado, promotor, juiz e desembargadores preferiram acreditar nas palavras de vítimas que não viram os rostos dos ladrões e disseram ter reconhecidos os réus “pelos olhos” ou “pela voz”. Entre essas vítimas, estava uma juíza. Sua palavra, a respeito do que nunca chegou a ver, teve mais força do que testemunhos e documentos trazidos por moradores da periferia.

E por que pedimos desculpas? É que não vamos poder revelar o nome dos três condenados. Não por causa deles. Quando a reportagem foi até a Penitenciária de Guareí I, distante 186 quilômetros da cidade de São Paulo, e atravessou muros e grades para falar com cada um deles, todos queriam denunciar a injustiça que afirmam ter sofrido e dizer seus nomes para o mundo ouvir. Mas essa é uma informação que a Ponte, dessa vez, terá de esconder dos seus leitores.

A mesma Justiça que condenou os três réus sem provas só autorizou que fossem ouvidos pela reportagem com uma condição: a de que a Ponte não dissesse quem eles são. “Fica vedada a exibição de nomes e imagens que possam identificá-los”, decidiu o juiz corregedor Alessandro Viana Vieira de Paula, do Departamento Estadual de Execuções Criminais da 4ª Região Administrativa Judiciária, em 30 de janeiro, ao autorizar a entrevista dentro do presídio de Guareí.

Ao menos esse magistrado não proibiu a Ponte de fazer a entrevista, como havia feito a juíza Jovanessa Ribeiro Silva Azevedo Pinto, na primeira vez em que a Ponte tentou fazer essa entrevista, em maio do ano passado, alegando que não havia “interesse público” na reportagem. Na época, a proibição foi criticada por entidades que atuam na defesa dos direitos dos jornalistas e da liberdade de expressão, para quem a decisão era inconstitucional.

Álibis ignorados

Calças beges e mãos algemadas, os três se aproximam, silenciosos. Estamos em fevereiro de 2020. A pandemia ainda não fechou as prisões para as visitas. Uma assessora de imprensa da Secretaria da Administração Penitenciária, que acompanha a entrevista, se incomoda que os presos sejam filmados de chinelos e trata de providenciar três pares de tênis para que apareçam nas imagens bem calçados.

Não há assessoria de imprensa, porém, que consiga ocultar a frustração que os três expressam ao falar da prisão. “Acabou com a minha vida e com a vida de meu irmão”, afirma o montador de imóveis T., 34 anos. Seu irmão caçula, o estudante e auxiliar de produção, V., 22 anos, foi preso junto com ele. O terceiro condenado pelo crime, o estoquista A., 40 anos, os irmãos afirmam terem conhecido somente ali, na prisão. “Estou preso por um crime que não cometi”, é o que repetem várias vezes.

T., V. e A., mais um quarto preso, M., foram condenados a mais de uma década de prisão pela acusação de terem invadido e roubado duas casas no bairro do Caxambu, em Jundiaí, na noite de 1º de março de 2018, por volta das 20h30. Uma das vítimas era uma juíza.

No horário do crime, V. estava a 83 quilômetros dali, na escola estadual Professora Neusa Demétrio, na cidade de Taboão da Serra, onde cursa o terceiro ano do ensino médio. A informação foi confirmada pelo diretor da escola, que ainda assinou uma declaração atestando que o aluno estava ali. “Não sei de onde tiraram uma condenação de uma coisa que não fiz”, diz.

Já A. estava a 70 quilômetros do local do crime, em Moema, na zona sul da capital paulista, numa empresa de acessórios automotivos. Uma folha de ponto assinada por ele registra que havia deixado o local de trabalho às 19h. Como fazia todos os dias, pegou carona com um colega do trabalho, que o deixou às 19h40 no terminal de ônibus João Dias, próximo dali. Esposa, irmã e cunhado de A. afirmam que ele chegou em casa, na região do Capão Redondo, às 20h30, como sempre fazia.

Condenados pelos olhos

Os testemunhos e documentos foram ignorados pelas autoridades. A única prova levada em consideração foi o reconhecimento dos suspeitos, realizado mais de três meses após o crime, na Delegacia de Investigações Gerais de Jundiaí. Nenhuma das vítimas havia visto os rostos dos assaltantes, que usaram toucas ninjas, roupas pretas e luvas durante todo o tempo, mas mesmo assim disseram que podiam reconhecer os ladrões. Para o delegado Carlos Eduardo Barbosa Soares, foi o que bastou.

Presos em 12 de junho de 2018, os quatro suspeitos foram levados à delegacia. “Puseram um saco de lixo na nossa cabeça, com fita crepe, uns rapazes do lado, eles desalgemados e nós algemados, e aconteceu o reconhecimento. Falou que reconheceu nós pela bolinha da vista”, conta V. “Não entra na minha mente isso daí. Como você reconhece uma pessoa pela bolinha de vista depois de tanto tempo que passou?”, pergunta.

O reconhecimento dos réus foi cercado de irregularidades. A primeira ocorreu antes do reconhecimento presencial, quando os policiais civis mostraram fotos dos quatro suspeitos para as vítimas.

Ao fazer isso, os policiais erraram duas vezes, conforme os procedimentos corretos para o reconhecimento descritos por Gustavo Noronha de Ávila, doutor e mestre em Ciências Criminais pela PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) e um dos principais especialistas brasileiros em psicologia do testemunho. Para começar, segundo Ávila, “jamais deve ser feito o reconhecimento com apenas uma pessoa ou foto, em função de sua intolerável carga de sugestionabilidade”. Além disso, o reconhecimento de alguém que viu apenas os olhos de um criminoso deve ser considerado suspeito, já que vítimas de roubo têm dificuldade de memorizar detalhes até quando os ladrões estão de cara limpa, porque costumam olhar apenas para a arma, um comportamento conhecido como gun weapon effect (efeito da arma de fogo).

Durante o reconhecimento presencial, apenas um quinto homem, que não era suspeito, foi colocado entre eles. O Código de Processo Penal determina que “a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la”.

Ouvido pela Ponte, o advogado criminalista Hugo Leonardo, vice-presidente do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), afirma que o reconhecimento feito a partir dos olhos é “de uma fragilidade absurda”, levando em conta os disfarces usados pelos ladrões e os traumas do assalto. “Evidentemente, com esse nível de disfarce, combinado ao nervosismo da vítima, nós podemos esperar um critério irrisório de certeza no reconhecimento”, afirma. “Jamais isso deveria ser o suficiente para levá-los à prisão.”

Os policiais civis de Jundiaí percorreram um caminho tortuoso para chegar aos suspeitos, analisando as chamadas telefônicas feitas à torre de celular mais próxima da casa da juíza, entre 19h e 22h da noite do crime. Dentre todas as chamadas, selecionaram sete linhas telefônicas cadastradas em outros municípios. Uma dessas linhas estava registrada em nome do pai dos irmãos T. e V.. Como T. já tinha passagem pela polícia, os policiais suspeitaram dele. Não fica claro, contudo, como chegaram a até A. No caso de M., a polícia afirma ter rastreado um dos celulares roubados em Jundiaí e apreendido o aparelho com ele — M. diz que recebeu o telefone de um cliente de sua loja.

Para Hugo Leonardo, os indícios levantados pela investigação policial são frágeis. “A possibilidade da ausência de vínculo desses sujeitos com os fatos é total”, afirma.

As provas, contudo, pareceram bastante sólidas para o promotor de justiça Jocimar Guimarães, que denunciou os réus uma semana após o reconhecimento. Eles responderam a todo o processo presos, mas acreditaram até o último momento que seriam absolvidos no julgamento.

“Contei tudo certinho o que aconteceu, olhei no olhar dela, pensei que ia me mandar embora e não ia ser condenado”, conta T. “Quando eu fui para o fórum, eu estava louvando, porque eu tinha certeza que ia embora, ninguém mais justo que o juiz, ela vai me absolver quando ver as provas”, relembra A.

Não foi como imaginavam. Em 28 de junho do ano passado, a juíza Jane Rute Nalini Anderson, da 3ª Vara Criminal de Jundiaí, condenou os réus por roubo qualificado. A. pegou 18 anos de prisão, T., 15 anos, e V., 13.

Na sentença, a juíza afirmou que “as vítimas não teriam qualquer interesse em incriminar os réus” e que “o fato das vítimas, especialmente Roberta [a juíza assaltada], não ter visto totalmente o rosto dos réus no momento do delito, não tem o condão de enfraquecer a prova trazida ao bojo dos autos, porquanto as vítimas os reconheceram pela compleição física e pela voz”.

Os réus recorreram da sentença e, em segunda instância, um acórdão (decisão tomada por mais de um magistrado), relatado pelo desembargador Fernando Simão, manteve a condenação de todos, afirmando que, “em se tratando de roubo, a fala da vítima, quando coerente, como é o caso dos autos, merece credibilidade” e que as vítimas “não provaram nada do que alegaram”. O desembargador nem mencionou o fato de que as vítimas nunca viram os rostos dos ladrões, nem os documentos e testemunhos apresentados pelos réus mostrando onde estavam no horário do crime. Ainda assim, o acórdão reconheceu um erro da juíza ao estabelecer as penas, diminuindo o tempo para todos: 16 anos e oito meses para A., 14 anos e três meses para T. e 11 anos e onze meses para V.

Casado e pai de dois filhos, A. sente falta da família e, enquanto espera o dia da sua saída, faz planos. “Eu sei que vou estudar. Se Deus abençoar, eu vou fazer direito e vou continuar minha vida. Não vai ser fácil, não, mas não vou desistir”, promete. Ele tenta tirar forças da injustiça: “Querendo ou não, toda essa situação me deu uma força para fazer uma série de coisas que tinha deixado de escanteio, e eu vou alcançar todo os meus objetivos quando sair daqui, se Deus quiser”.

Para os dois irmãos, V. e T., o que mais dói é ver o efeito da prisão em sua família. V. conta que em todo final de semana recebe a visita dos pais, e é sempre a mesma cena triste. “Meu pai quando já entra, já começa a chorar, eu já começo a chorar também.” O pai comenta o que fizeram com o filho, o filho fala como é difícil de entender o que aconteceu, e o pai diz que está lá fora, lutando para provar a inocência deles. E pai, mãe e filhos se abraçam.

“Acabou a vida do meu pai e da minha mãe. Meu pai era forte e saudável, se você vê ele hoje…”, lamenta T. Também pai, ele prefere não receber visitas do filho pequeno: “Meu filho não quero num lugar desses”.


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Apresentadora detona sertanejos que fizeram aglomeração e cita Rodrigo Rodrigues

Apresentadora detona sertanejos que fizeram aglomeração e cita Rodrigo Rodrigues:

apresentadora show jorge e mateus

No último sábado (25), aconteceu um show da dupla sertaneja Jorge e Mateus, em Brasília. Com um palco montado às margens do lago Paranoá, o evento reuniu pessoas em lanchas e nas sacadas de um hotel de luxo. Isso gerou muita aglomeração, com centenas de pessoas sem máscaras, festejando e consumindo bebida alcoólica.

Com isso, Chris Flores, apresentadora do do SBT, detonou a dupla no programa em seu programa ao vivo. “Egoístas, irresponsáveis, nojentos, é isso que eu digo sobre vocês”, afirmou Flores, que não parou por aí.

Ela também falou sobre o colega de profissão Rodrigo Rodrigues, que teve a morte confirmada pelo Grupo Globo no início da tarde de ontem. O apresentador do canal esportivo SporTV morreu após uma trombose venosa cerebral em decorrência do coronavírus. “Eu perdi um amigo hoje, eu não tolero gente assim”, continuou a apresentadora de Fábrica de Casamentos.

“Meus sentimentos a família do jornalista Rodrigo Rodrigues, um grande amigo, uma grande pessoa. Morreu trabalhando, tinha que trabalhar. O que vocês estão comemorando? Mais de mil mortes por dia? Chega, gente pequena, gente nojenta!”, finalizou.

SAIBA MAIS: Apresentador Rodrigo Rodrigues não resiste e morre aos 45 anos

Nas redes sociais, o assunto repercutiu. “Lucro a qualquer custo. Basta dessa gente egoísta”, escreveu uma internauta. “Falou por mim. Mas tomara que não seja demitida, porque a emissora que ela trabalha apoia Jair Bolsonaro”, disse outra, referindo-se à já conhecida aliança entre Silvio Santos e o atual presidente.

VÍDEO:

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quinta-feira, 2 de julho de 2020

As eleições de novembro

As eleições de novembro:

Com mais de 60 mil mortos pelo coronavírus, a Câmara dos Deputados decide adiar as eleições de outubro para o mês de novembro.







Minha vida acabou. Por que Deus levou meu irmão? A vida é muito injusta, ele só tinha 7 anos e partir dessa forma. Poxa, irmão, eu te amava tanto. Não quero acreditar que você morreu dessa forma. Eu não aceito. Beatriz Castro, irmã de Ítalo, que morreu baleado na porta de casa em São João de Meriti, Baixada Fluminense.
“Minha vida acabou. Por que Deus levou meu irmão? A vida é muito injusta, ele só tinha 7 anos e partir dessa forma. Poxa, irmão, eu te amava tanto. Não quero acreditar que você morreu dessa forma. Eu não aceito”.

Beatriz Castro, irmã de Ítalo, que morreu baleado na porta de casa em São João de Meriti, Baixada Fluminense.







Manchete de primeira página da Folha: “Mortos passam de 60 mil, e reabertura congestiona UTIs”

Manchete de primeira página da Folha: Mortos passam de 60 mil, e reabertura congestiona UTIs





Estadão: “Câmara aprova adiamento das eleições para novembro”

Estadão: Câmara aprova adiamento das eleições para novembro





O Globo: “Câmara aprova adiamento da eleição municipal para novembro”

O Globo: Câmara aprova adiamento da eleição municipal para novembro





Vimos na Folha:

Reabertura sem escolas pode aumentar desigualdade

Reabertura sem escolas pode aumentar desigualdade





Hong Kong vive batalha campal no 1º dia de nova lei

Hong Kong vive batalha campal no 1º dia de nova lei





No Estadão:

Amazônia tem junho com mais queimadas em 13 anos

Amazônia tem junho com mais queimadas em 13 anos





“Qual o problema? Vão Matar? Em mensagem interceptada pelo Ministério Público, Marcia de Aguiar, mulher de Fabricio Queiroz, revela estar cansada de ser “marionete do Anjo”.

Qual o problema? Vão Matar? Em mensagem interceptada pelo Ministério Público, Marcia de Aguiar, mulher de Fabricio Queiroz, revela estar cansada de ser marionete do Anjo.





O Globo:

Bares e restaurantes reabrem com novas regras

Bares e restaurantes reabrem com novas regras





PL das fake news deve ser alterado por deputados

PL das fake news deve ser alterado por deputados





As fotos em destaque nas primeiras páginas:

A greve dos entregadores de aplicativos exigindo melhores condições de trabalho, na primeira página da Folha e do Estadão.

A greve dos entregadores de aplicativos exigindo melhores condições de trabalho, na primeira página da Folha e do Estadão.



A greve dos entregadores de aplicativos exigindo melhores condições de trabalho, na primeira página da Folha e do Estadão.





Os nomes das vítimas do coronavírus projetados na imagem do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, é destaque no Globo.

Os nomes das vítimas do coronavírus projetados na imagem do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, é destaque no Globo.





O Erramos da Folha:

O Erramos da Folha:





Pelo mundo:

Um dos 300 presos na revolta de Hong Kong com a entrada da nova Lei de Segurança Nacional, na primeira página do jornal espanhol El País.

Um dos 300 presos na revolta de Hong Kong com a entrada da nova Lei de Segurança Nacional, na primeira página do jornal espanhol El País.





A semanal inglesa New Statesman faz uma anatomia da crise por que passa o Reino Unido.

A semanal inglesa New Statesman faz uma anatomia da crise por que passa o Reino Unido.





A alemã Der Spiegel publica um número especial sobre as pandemias que já abalaram o mundo.

A alemã Der Spiegel publica um número especial sobre as pandemias que já abalaram o mundo.





Tuitada mal sucedida:

Tuitada mal sucedida de Milton Neves.





Leitura recomendada:

Margem Esquerda número 34, editada pela Boitempo. O assunto é “motins”.

Leitura recomendada: Margem Esquerda número 34, editada pela Boitempo. O assunto é "motins".





Aroeira:

Aroeira:





Benett:

Benett:









Desde o dia 23 de junho, um objeto bastante danificado pelo tempo e pela maresia está na praia do Sossego, no Grande Recife. Desperta curiosidade, mas ninguém ousou abrí-lo.








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